21.8.06

De homem a mito, no 21 de agosto.

É 21 de agosto, uma segunda-feira. Poderia ser mais uma data entre tantas outras datas. E é. Todavia, nós, tolos humanóides, gostamos de guardar, marcar e rememorar as datas. Pra que vão servir depois? Não sei. Mas guardamo-nas.
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Achamos que com as datas iremos re-viver os eventos, os momentos, as pessoas. Sim, as pessoas. E foi por conta de uma pessoa que re-lembrei desta data (21/08). O que teria acontecido neste dia? De que pessoa estaria eu falando? Por que desta lembrança agora?
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Não sabia e nem me lembraria dela (a data), se não tivesse ido ao teatro no último sábado (19/08). É que eu, que cheguei do interior, inocente puro e besta, não vim morar no “apipema”, mas ver teatro e ver cinema é a minha diversão. Confesso que, mais teatro do que cinema. “Emoção ao vivo!”.
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Não compareci a nenhuma sessão das dez e nem tão pouco ninguém me ofereceu pipoca. Mas, o desafio eu aceitei e logo em troca com o leitor comentarei. Talvez você já saiba de quem eu vou falar e o porquê da data, mas mesmo assim, dou-lhe uma explicação.

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Raul Seixas e Raulzito sempre foram o mesmo homem. E lá estão eles. Os dois. Em cartaz no teatro do ISBA, na peça “Raul Seixas, a metamorfose ambulante”. No texto, a trajetória de um homem surpreendente, um “maluco beleza”.
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É o Raul humano, o Raul artista, o Raul sonhador. Os vários Rauls num só. A
história se passa desde a infância do protagonista até a sua última viagem. O bloqueio às regras escolares, as mulheres, os sonhos, a ânsia pela liberdade do ser. Seus problemas e seu fim, que poderá ser o começo. “Plut, Plat, Zum”, pode partir Raul, sem problema algum.
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Morre o homem - Raul dos Santos Seixas - a 21 de agosto de 1989, nasce o mito. Raul que viu dentro do mambo e da consciência o segredo do universo, já tinha deixado sua mensagem na terra. E muitos foram os ensinamentos do “Profeta do Apocalipse”. Eles estão aí gravados, musicados, a quem interessar possa. Basta ouvir com atenção suas canções.
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O menino que sonhava ser escritor e se disse ator, porque fingia que era cantor e todo mundo acreditava, teve uma vida conturbada e da mesma forma foi o período em que ele viveu. Conheceu Elvis e “aquele ritmo quente, vindo dos Estados Unidos”. Amou os Beatles e entre o pessoal do diretório na faculdade era visto como entreguista devido a sua paixão pelo Rock and Roll – som estrangeiro. E sem xenófobismos, foi revolucionário em fundir rock e baião.
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Quebrou regras, evitou padrões. Ao fundo da sua narrativa, como se fosse um filme intimista, a peça mostra momentos históricos da vida brasileira. O Golpe de 1964. Os anos de chumbo do governo Médici. A abertura. Está lá, encenada, a morte do estudante Edson Luiz.
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Algumas cenas emocionam. Outras fazem rir. Ta tudo lá. Se o assunto é cultura de massa e indústria cultural, o texto da suas pinceladas, através da opinião do personagem Raul. As normas da escola, da família, a indecisão entre o sonho e a vida estável, também estão presentes.
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Todo enredo, ganha o atestado de veracidade quando lembramos que Plínio Seixas, irmão mais novo de Raul, é co-autor da peça. A participação de Plínio, também personagem, na montagem do espetáculo, garante a certeza da narrativa fiel.
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Entre uma cena e outra, um momento e outro, as músicas de Raul ajudam a contar a estória. Vale destacar a preciosidade da hora certa, com que algumas músicas aparecem.
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É isto. Para o leitor saber mesmo a emoção do espetáculo, só indo assistir a peça que fica em cartaz até o mês de outubro. A encenação já foi vista por mais de 50 mil pessoas em Salvador e outras tantas, em mais de seis cidades do interior.
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Eu, conforme já deu pra perceber, gostei muito. E gostei tanto, que me motivei, ao voltar para casa, entre uma cerveja e outra, escrever estas linhas.
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Vale salientar também a montagem do cenário da peça. O movimento constante de vários baús para revirar o baú do Raul. O ator Nelito Reis, se mostra bastante a vontade vivendo o personagem Raul Seixas. Seus colegas também não deixam por menos.
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O sotaque dos americanos aparece nas atrizes que fazem as mulheres estadunidenses de Rualzito. Por vezes elas fazem o público rir nas palavras ditas com a língua dobrada. O que não me agradou muito foi a encenação do “personagem” Marcelo Nova.
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Coisas da vida. Algumas coisas agradam, outras não. O que não empolga é a situação de muitos artistas na Bahia e no Brasil. Ao final do espetáculo, vi uma das atrizes, ainda com marcas de maquiagem no rosto, apressadamente pegando o seu Buzú.
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Por fim, recomendo, e muito, a peça. E é bom que estejamos no 21 de agosto. Quem sabe a publicidade que se dão as datas “comemorativas”, não incite mais pessoas a verem a história de Raulzito, filho de Sr. Raul que naquele dia 21 de agosto de 1989, partiu no seu trem das sete e deixou um legado para nos fazer pensar. Toca Raul!!!
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Raul Seixas – A metamorfose Ambulante
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Sex, Sab e Dom, às 20h, até Outubro no Teatro do ISBA – Ondina
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Ingressos: Sex (R$ 20,00 – inteira), Sab (R$ 30,00 - inteira) e Dom (R$ 24,00 – inteira).
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Ficha Técnica –
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Autores:
Deolindo Checcucci
Plínio Seixas
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Direção:
Deolindo Checcucci
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Elenco:
.Nelito Reis, Karla Ralin, Narcival Rubens, Pedro Henriques, Adriana Mandi, André Tavares, Bruno Neves, Edvard Neto, Uirá Iracema e Mônica Gedione.
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Assistente de Direção:
Gideon Rosa
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Direção Musical:
Tadeu Mascarenhas

Leia entrevista com ator e diretor no portal ibahia:

http://ibahia.globo.com/entrevistas/artigos/default.asp?modulo=1446&codigo=108750

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