9.9.06

Profissão e Negação, sem contradição

Por Roberto Martins*
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Pedro de Tiano vendia cachaça e fazia parte dos Alcoólicos Anônimos (AA). A principio, uma contradição. Há quem pense que assim agindo, ele seria um falso, atuando no armazen de bebidas contra a sua pregação no AA. Ou então, que ele seria um louco, discursando no AA contra o seu próprio comércio. Entretanto, devemos considerar a possibilidade de nenhuma das duas sentenças ser verdadeira.
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O grupo Nova Vida de AA foi fundado em 13 de maio de 1984. Dia que se comemora a Lei Áurea e que significa a alforria para alguns iraraenses, antes escravizados pelo álcool. Irará possuía um elevado índice de alcoolismo, onde até mesmo um bode que era criado próximo ao alambique, quando bebia a água do açude com alguns resquícios de cachaça, ficava bêbado e saia pelas ruas causando confusão. Em meio a tal cenário, houve quem estranhasse a fundação do AA, mas aos poucos a vergonha foi sendo vencida e a freqüência foi aumentando. As reuniões abertas, aquelas nas quais pode participar qualquer pessoa da comunidade, passaram a congregar maior número de ouvintes. Foi numa destas reuniões que Pedro de Tiano passou a freqüentar os Alcoólicos Anônimos.
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A chegada de Pedro no AA não causou admiração aos membros do grupo. Afinal, ele era um político e como homem público que se preza, gostava de participar e discutir os problemas da comunidade. Numa reunião, para a surpresa de muitos, Pedro manifestou que tinha problemas com o álcool. Era difícil acreditar, pois ele sempre se apresentava sóbrio e consciente de si. No entanto, essa é mais uma dura face do alcoolismo, uma doença que não escolhe as suas vítimas e nem sempre é perceptível. Então, Pedro continuou a freqüentar as reuniões, a ouvir os relatos, os conselhos e se interessar muito pela literatura de Alcoólicos Anônimos. E antes mesmo de se tornar um membro efetivo, garantiu a todos que já tinha o problema sobre controle. Consciente do papel do AA perante a comunidade, não abandonou o grupo, sentiu que era hora de ajudar a outros irmãos.
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Como membro efetivo de Alcoólicos Anônimos, Pedro de Tiano foi secretário, tesoureiro, coordenador, participou de todas as funções do Comitê de Serviços. Era um membro muito interessado e fez juz àquele lema de AA: se você quer beber o problema é seu, se quer parar o problema é nosso. Nesta tarefa, visitava localidades rurais, entrava nas casas, convidava as pessoas que tinham problemas com o álcool a conhecerem a filosofia de AA. Na sua pregação, viu que no Largo São José a problemática era séria, então incentivou a criação do grupo Vida Nova na comunidade. “Ele dizia que tinha falatite aguda, não esperava que as pessoas o procurassem, ele procurava as pessoas”, lembra o amigo Dante Barbosa, salientando que “ele era bom em convencer as pessoas; era um dom dele”.
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Numa palestra sobre alcoolismo e os seus malefícios, veio a provocação. “O Sr. fala isso tudo... e como o Sr. vende cachaça?”, perguntou uma senhora da platéia. Pedro respondeu com a comparação prática do homem que trabalha com a pólvora e nem por isso precisa se queimar ou explodir alguém. Ainda sobre este mesmo questionamento, costumava responder que o ofício de vender bebidas foi o que ele aprendeu, no qual ele foi criado e de onde ele tirava o seu sustento. Da mesma forma, sentenciava que vendia a bebida e não o vicio. Respostas comprovadas pelo perfil de Pedro de Tiano, que não era um capitalista mercenário para vender bebida para uma pessoa sem condições de beber.
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Desta maneira, Pedro Ferreira da Silva seguia na sua profissão e na sua pregação. Em mais estas duas frentes de atuação, Pedro se mostrava um homem de convicção e personalidade. Lutava pela sua sobrevivência e contra a doença do alcoolismo. E, certamente, os clientes da Casa São Pedro ainda deviam ouvir um conselho em forma de provérbio: “tudo demais é sobra”.
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* Texto feito com base em entrevista cedida por Dante Barbosa, na primavera de 2005, em sua residência na cidade de Salvador..

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