3.11.06

São Paulo celebra dia do Saci. Colégio Saci, o Halloween

No dia primeiro de novembro aconteceu uma boate no prédio anexo da Escola Saci. A julgar por algumas crianças fantasiadas de bruxa, a festa era para celebrar o Halloween, acontecido no dia anterior, 31 de Outubro.
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A tradição americana, potencializada nos cursos de inglês, já vai se tornando uma prática em Irará, visto que já foi realizada pela Saci, por outras escolas e até por cursos de informática. Em rota diferente deste movimento, existe em São Paulo uma ONG chamada Sociedade dos Observadores de Saci (
www.sosaci.org) que busca incentivar as tradições brasileiras. Eles instituíram o 31 de Outubro como o dia do Saci, conseguiram oficializar a data através de lei no âmbito do município e do estado e agora buscam reconhecimento federal. A todo ano, eles comemoram a data com celebrações ao Saci e a outros mitos nacionais.
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A Saci, escola onde eu e muitos amigos e amigas iraraenses rascunhamos os nossos primeiros textos, foi assim denominada em homenagem ao folclore brasileiro. Hoje, a Saci já não é mais uma “escolinha”, com ensino de Infantil a 4º série, mas sim um Colégio, atendendo até o Ensino Médio. Chama-se CSACI (Colégio Social de Aprendizagem e Cultura Integrada). Caso o “integrada” da sigla tenha o mesmo sentido adotado por Umberto Eco no livro “Apocalípticos e Integrados”, está justificada a comemoração do Halloween.
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Abaixo Texto de Maurício Kubrusly sobre o Halloween e o Manifesto do Saci.
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Halloween dos basbaques
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Maurício Kubrusly, 03/11/2003
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Você só vale um terço. Todos nós somos Terços. No planeta compra & venda em que vivemos, o negócio está no comando. Portanto, um americano é Inteiro, padrão mundial como referência de valor. E cada um de nós, brasileiros, é Terço. Afinal, precisamos três Reais pra completar um Dólar. Também por isso, óbvio, gostamos de imitar o país do presidente Bush. Inclusive, na Festa do Dias das Bruxas.
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“ Só ponho be-bop no meu samba / Quando Tio Sam pegar no tamborim ” – Chiclete com Banana , de Jackson do Pandeiro e Almira Castilho.
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O comércio de fantasias, em São Paulo, confirma que o ralouin já representa o segundo maior faturamento do ano. Perde apenas pro carnaval. Que vexame! É verdade que a moda cresce mais nas cidades ricas, como São Paulo e Rio, onde até escolas (entidades responsáveis pela educação – sim, educação!) promoveram festas de ralouin. Abóboras, bruxas, caveirinhas... É possível que o sucesso de Harry Potter tenha pingado fermento no fascínio das histórias de bruxos. Mas a dimensão das festas, neste 2003, foi degradante.
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“ Festejar o halloween no Brasil, é coisa de basbaques* ” (Roberto Pompeu de Toledo, em ensaio na Veja , novembro de 1996). Nesses sete anos, o número de basbaques aumentou demais. É a tribo que não diz liquidação, prefere ceile. Que não oferece desconto de 50% e sim, 50% ófi. Tem personal treini, e não instrutor particular. E usa adesivos escritos em inglês nos seus carros. Enquanto isso, no horizonte da decência, grita a voz rascante de Elza Soares: “ Minha pátria é minha língua! ” Na citação – dentro da letra da canção “ Língua ” , faixa de Velô, que Caetano lançou em 1984 – o beabá da identidade nacional: o idioma. O povo que sente vergonha da própria língua já está de joelhos. Filial que imita a matriz é deprimente. E muito triste. Acredita que, caso a cópia seja bem feitinha, ela muda de nacionalidade. Mas Terço nunca vira Inteiro, nem com visto permanente, dupla nacionalidade, viagem com itíqueti (jamais com bilhete eletrônico, claro), ralouin andi souon.
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Pausa 1 par pra pingos no iss: a cultura americana é extraordinária. Indispensável buscar o privilégio de conhecer um pouco do melhor que é produzido por lá. Fertiliza a cabeça, abala o coração. O elogio da diversidade cabe aqui também. Mas, sem cópias, subserviência, capachismos.
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– Tupi or not tupi, that is the question. Oswald de Andrade logo acende a lanterninha de sua esperteza, e nos guia: Manifesto Antropofágico , maio de 1928, que ele preferiu assinar assim: ano 374 da deglutição do bispo Sardinha. Isso mesmo: engolir o estrangeiro, que se transforma em energia no corpo nacional. Muito diferente de macaquear a festa do ralouin. No manifesto anterior, o Pau Brasil, de 1924, o grande Oswald clamava pela alegria dos que não sabem e descobrem. Nada de cópias.
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Ou você imagina que Tio Sam pula fogueira e solta balão, dança frevo, desfila no carnaval e tem toda alegria que existe aqui? (Novamente Oswald, no segundo Manifesto: “ A alegria é a prova dos nove. ” )
Faaala!, Jackson do Pandeiro, enquadra o Tio Sam: “ Quando ele entender que o samba não é rumba / Aí eu vou misturar Miami com Copacabana / Chiclete eu misturo com banana... ”
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Enquanto os basbaques brincavam de ralouin, em São Luís do Paraitinga, São Paulo, o Saci dava mais um pulo certeiro. No próprio dia da festa que os americanos importaram da Irlanda, no século 19, tradição dos Celtas, com mais de dois mil anos... no último dia de outubro, aquela pequena cidade comemorou o primeiro Dia do Saci. E chutaram muita abóbora, entre outras molecagens.
Pausa 2 pros pingos no iis: não interessa defender uma tradição imóvel, folclore intocado, nada disso. Todas essas manifestações estão vivas.
Portanto, em transformação, porosas. Quando o sistema pára de evoluir, começa a morrer - lembra?
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Fiquemos com o gênio de Jackson do Pandeiro e seu jeito maroto de falar da relação entre o Terço e o Inteiro: “ Eu quero ver o boogie-woogie / De pandeiro e violão / Eu quero ver o Tio Sam, de frigideira / Numa batucada brasileira. ”
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* Basbaque – aquele que se admira e se espanta por coisas triviais & aquele que diz ou pratica tolices, segundo o dicionário Houaiss.
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Manifesto do Saci
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Um espectro ronda a indústria da cultura. Como já ocorrera durante a I Guerra Mundial – quando os chamados “ povos civilizados” se matavam entre si nos campos da Europa, como lembra Monteiro Lobato em seu Inquérito, escrito em 1917 –, o espectro do Saci voltou para dar nó na crina das potências que invadem os outros países com uma “indústria cultural” predadora e orquestrada.
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O Saci é reconhecido como uma força da resistência cultural a essa invasão. Na figura simpática e travessa do insigne perneta, esbarram hoje, impotentes, os x-men, os pokemon, os raloins e os jogos de guerra, como esbarravam ontem patos assexuados e ratos com orelhas de canguru.
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É tempo, pois, do Saci expor abertamente seus objetivos, lançando um manifesto e denunciando o verdadeiro espectro: o espectro do imperialismo cultural. Para tanto, outros expoentes do imaginário cultural brasileiro – como o Boitatá, a Iara, o Curupira e o Mapinguari – reuniram-se e redigiram o presente manifesto.
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A cultura popular é um elemento essencial à identidade de um povo. As tentativas insidiosas de apagar do imaginário do povo brasileiro sua cultura, seus mitos, suas lendas, representam a tentativa de destruir a identidade do nosso país. A história de todas as culturas até hoje existentes é a história de opressores e oprimidos. Hoje, como ontem, o Saci apóia, em qualquer lugar e em qualquer tempo, qualquer iniciativa no sentido de contestar a arrogância, a prepotência e a destruição de que é portadora a indústria cultural do império.
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O Saci não se reivindica como símbolo único e incontestável da cultura popular brasileira. O Saci trabalha pela união e pelo entendimento das várias iniciativas culturais que devolvam ao nosso povo a valorização de sua identidade cultural. O Saci não dissimula suas opiniões e seus objetivos e proclama, abertamente, que estes só podem ser alcançados por um amplo movimento de resistência cultural, denunciando os malefícios da indústria cultural imperialista. Que ela trema à idéia de uma resistência cultural popular. Nesta, o Saci nada tem a perder a não ser seus grilhões. E tem um mundo a ganhar.
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Sacis de todo o Brasil, unamo-nos!

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