20.6.08

Ôh de Casa! Uma beleza de licor


Uma boa dica, seja no São João ou em qualquer época do ano, é o licor do Artesanato Ôh de Casa!

Nesta casa de artesanato, artes plásticas, plantas e culinária, seguramente está o melhor licor de Irará. Preparado com zelo, higiene e dedicação pelo casal de artesãos Zé Nogueira e Dagmar.

Como se já não bastasse o talento de fazer um saboroso licor, Zé e Guego ainda envolvem artisticamente o recinto onde é armazenada a bebida.

A garrafa é belamente ornamentada com sementes, folhas secas, cordas de sisal ou outros elementos. O recipiente ganha aspecto de obra de arte. Um singelo objeto decorativo para a sua casa; seja na cozinha ou na sala de estar.

Se você não quer fazer feio para as suas visitas, é melhor recepciona-las com o licor do Ôh de Casa! . Vá lá comprar o licor e aproveite para conhecer ou voltar a este aconchegante ambiente.

Basta chegar ao portão e, da varanda, você já vai perceber que beleza de lugar. No Artesanato Oh de Casa! há beleza em tudo. Nas plantas, nos objetos, nos quadros pintados por Zé Nogueira e na recepção feita aos visitantes.

Em Irara, estando na Avenida Elísio Santana, procure pela casa de Zé Nogueira ou Zé de Aristides. Depois é só chegar ao portão e chamar pela senha: “Ôh de Casa!”. Você será bem recebido.

São João 1992







Nos anos inicias da década de 1990, primeiro governo de Amaro Bispo (1989-1992), o São João de Irará era celebrado na Praça Pedro Nogueira – Matriz. Na época era construída a estrutura apresentada nas fotos acima para abrigar a festa.

Depois, no segundo governo de Alberto Santana – Chico (1993-1996), a festa de foi transferida para a Praça do Lazer, mantendo-se essa mesma estrutura em alguns anos e recorrendo a uma lona de circo em outros. No governo de Antônio Campos (1997-2000), a festa foi então transferida para a Praça da Purificação, onde permanece até hoje.

* fotos do Acervo da Casa da Cultura de Irará.


19.6.08

Filarmônica vai receber prêmio de R$ 20 mil

A Filarmônica 25 de Dezembro é uma das oito Filarmônicas da Bahia premiadas com R$ 20mil pelo Projeto Bandas da Funarte – Fundação Nacional de Artes, órgão vinculado ao Ministério da Cultura – Minc.

Ao todo, foram premiadas 143 bandas, oriundas de 20 estados do Brasil, dentre as 550 selecionadas para concorrer ao prêmio.

Para selecionar as bandas classificadas e depois as premiadas, a Funarte usou como critérios de avaliação a qualificação da banda, a viabilidade prática do projeto e a clareza na exposição de suas necessidades.

O projeto enviado pela 25 de Dezembro contou com a assessoria técnica da Charanga Comunicação, assim como aconteceu em 2007, quando a Banda foi contemplada em edital do Bando do Nordeste.

O Projeto Bandas da Funarte integra o Programa Nacional de Bandas de Música, desenvolvido desde 1976, cujo objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade técnica e artística das bandas. Este ano é a primeira vez que o Projeto premia as entidades selecionadas com dinheiro e não diretamente com instrumentos.

Na avaliação do Diretor do Centro de Música da Funarte, Pedro Muller, esta forma é mais eficiente, entre outros fatores, porque dá mais liberdade às instituições de escolherem instrumentos mais adequados à sua realidade.

No caso da 25 de Dezembro, foram escolhidos para listar no orçamento da proposta enviada à Funarte, instrumentos de valor mais alto e com maior necessidade de reposição.

De tal forma, o valor de R$ 20 mil a ser recebido será utilizado na compra de três instrumentos. Só um deles está orçado em cerca de R$ 10 mil, sendo assim compatível à qualidade técnica requerida pelos talentosos e exigentes músicos da 25 de Dezembro.

Bandas contempladas na Bahia:

Projeto 127 - Sociedade Filarmônica 2 de Janeiro – Jacobina
Projeto 571 - Sociedade Filarmônica São Domingos – Saubara
Projeto 227 - Filarmônica 8 de Dezembro – Mata de São João
Projeto 229 - Sociedade Litéro Musical 25 de Dezembro – Irará
Projeto 370 - Sociedade Filarmônica Lira Morense – Morro do Chapéu
Projeto 627 - Sociedade Filarmônica Capitanias dos Ilhéus – Ilhéus
Projeto 714 - Filarmônica 5 de Março – Muritiba
Projeto 129 - Sociedade Filarmônica Euterpe Cruzalmense – Cruz das Almas

Com informações do site da Funarte:
www.funarte.gov.br

Nilson Aquino canta na Rádio Educadora

Capa do novo CD de Nilson Aquino


No próximo dia 26 de junho, quinta-feira, o cantor e compositor iraraense Nilson Aquino é atração do Programa “Outros Baianos” que vai ao ar às 21h na Rádio Educadora – 107,5.

Já quem pretende passar o São João em Irará, pode ter oportunidade de assistir Nilson ao vivo, através da participação do artista no Bloco Jeguerê. Sábado (21) na AABB e Domingo (22) nas ruas de Irará.

15.6.08

Forró de Casa*

São João no interior é sinônimo de confraternização. No entanto, sair de casa em casa tomando licor e comendo iguarias juninas no dia do santo, já não é mais prática lá muito percebida em vários municípios interioranos.

O surgimento dos grandes shows, seus mega palcos nas praças e a aparição de blocos com trio elétrico e cordas, talvez tenham contribuído ainda mais para o fim deste costume sócio-junino. Tal fato trás um sentimento de nostalgia e faz também crescer por parte dos saudosos, a insatisfação com o contexto atual.

Imbuído deste sentimento nostálgico, o odontologo Luciano Campos (Lú de Rege de Água Fria) decidiu criar o projeto Forró de Casa, que nada mais é do que uma volta à pratica da velha tradição de sair de porta em porta tomando licor e tocando forró. Para dá conta do forró, foi contratado o tradicional sanfoneiro iraraense Zé da Jurema, que contou com a participação de mais quatro pessoas para lhe auxiliar com triângulo, zabumba e também na cantoria.

Entoando músicas de forró pé de serra, também estavam todos os outros presentes, quando não batendo palmas, degustando iguarias ou tomando um bom e velho licorzinho.

O percurso teve seu inicio pouco depois das quatorze horas. A saída foi da casa de Omar (entenda-se, de Sinval), onde o grupo já começava a fazer uma “passagem de som” enquanto a chuva - que já havia atrasado o começo do passeio - não dava trégua. Quando o tempo melhorou o grupo composto por Luciano, Artur (Policial), Roberto (Ró de Zé do Rádio), Zé da Jurema e sua gente, saiu. Omar ficou em casa para almoçar.

Como primeiro local de visita, o Forró de Casa teve a vizinha casa do artista plástico Zé Nogueira, que como sempre fez uma boa recepção a todos. Guego (esposa de Zé) providenciou o licor e pediu a música “Seqüestro do Tonho”, em homenagem a um visitante que ela recebia em casa naquele momento. O grupo explicou a Zé o propósito da brincadeira. Ele apoiou e agradeceu o fato de sua casa ter sido lembrada. Após sair da casa de Zé, a turma deu uma passadinha na residência da jovem Lucilene, e lá foram atendidos por sua mãe, enquanto a possível anfitriã estava tomando banho.

Queijo, amendoim, bolo e licor eram oferecidos, no momento em que Roberto explicava para a dona da casa o sentido de resgate junino da visita. Ela sentiu-se agradecida e informou que ao perceber o movimento na casa de Zé Nogueira, havia deixado o portão aberto, para que o “São João” a visitasse também.

A próxima parada foi na casa de Saulo, na outra mão da Avenida Elísio Santana. Novamente os forrozeiros são recebidos com festa e são servidos os petiscos juninos, ao tempo em que os donos da casa caem no forró. “Não deixe isso acabar” foi a suplica da senhora mãe de Saulo.

“O Seqüestro do Tonho”, música a ser pedida em quase todas as casas, é solicitado outra vez. Apontando para Saulo e Artur, policiais Civil e Militar respectivamente, Roberto destaca um trecho da canção: “eu não quero policia / pelo meio / que os home é perigoso/”. Na seqüência o Forró de Casa pega a estrada, diga-se a rua, com destino à Rua de Santanópolis.

Nesta rua, situada atrás do Colégio Joaquim Inácio, o Forró de Casa tinha uma visita marcada na casa de D. Nilza Maia. Ao chegar em frente à residência, o grupo fez o agora já tradicional grito de chamada, “Forró de Casa!”. Quando atendidos caminharam varanda adentro, onde foram servidos de comidas e bebidas típicas do São João, e ofereceram muito forró. Luciano percebeu lagrimas aos olhos do dono da casa, talvez um lembrança de antigos tempos juninos.

Quando a turma saiu da casa de D. Nilza teve uma surpresa. Sr. Pedro, residente desta rua, pedia para o grupo ir tocar no bar de Jorge em frente, prometendo-lhes pagar algumas cervejas, mas obteve a sincera resposta de que tocar em bar não era o objetivo daquele grupo. Insatisfeito, Sr. Pedro disse querer acompanhar a turma e pediu que o esperasse, enquanto ele iria até em casa pegar seu violão.

Pouco tempo depois, vem Sr. Pedro com uma pequena caixa de som amplificada e sua viola, desejando que o som fosse tocado ali mesmo no bar. No entanto, ele demorou bastante para afinar o instrumento, e sobre os apelos da turma apressada que ainda tinha muitas casas para visitar, desistiu da tocata, “nada apressado presta” disse.

A parada seguinte foi na casa de Debinha de Sr. Eraldo. Lá o licor fora servido ao pé da fogueira, em frente à casa, na mesma hora em que o forró já comia no centro. Foi quando passou na rua Sinho de Sr. Alfredo da Luz, sua companheira e mais uma pequena turma de parentes e amigos.

O músico Sinho gostou do “negocio” e disse que seus irmãos, os também músicos, Nivaldo e Gigi, queriam ter feito o mesmo, mas desistiram da idéia por falta de instrumentos. Não era nem preciso dizer... Sinho e sua turma acompanharam o Forró de Casa.

Com o grupo agora acrescido de mais pessoas, a próxima casa visitada foi a de Sr. Jackson Martins, conhecido como Jajá de Joãozinho Prachedes. O ritual é repetido, forró, licor, amendoim e animação. Roberto sugere que o dono da casa peça uma música, mas a satisfação parece ser tanta que Sr. Jajá diz, “essa ai mesmo”, referindo-se a uma canção que o sanfoneiro ensaiava tocar quando ele (Sr. Jajá) fora consultado. O Forró de Casa vai de partida, desta vez com a sanfona calada e com pressa, devido a chuva que começava a cair. “Pit stop” seguinte, casa de Sr. João Lopes.

Quando a turma chegou Sr. João não estava em casa, mas todos foram bem recebidos por D. Lídia e seus filhos Neto e Lidijane. Na varanda, canjica, bolo de aipim, amendoim e, como não poderia faltar, licor. As iguarias são servidas enquanto o forró começa. Derrepente chega Sr. João, cumprimenta a todos e antes de se dirigir ao interior de sua residência, pede para as pessoas não saírem até a sua volta.

Poucos instante depois, volta Sr. João com chapéu de palha na cabeça e uma grande disposição para cair no forró. A chuva fica forte e a galera acaba demorando muito na casa de Sr. João Lopes que não pára de dizer: “Chove até meia noite que é pra ninguém sair daqui”. Depois de um bom tempo a chuva cessa um pouco e o grupo já acrescido de mais pessoas, como Sandro Cebola, Paredão e outros, resolve enrolar a sanfona com uma toalha plástica e seguir caminho até a casa de Sr. Rege de Água Fria.

Na casa de Sr. Rege, apesar do atraso, o Forró de Casa ainda era esperado. Todo o grupo que já devia contar mais de 25 pessoas entram até a sala da casa. Lá ao pé da mesa com laranja, canjica, galinha assada, licor e amendoim, é desembainhada a sanfona e o forró começa. Muitas músicas são tocadas. Omar se reincorpora ao grupo e várias outras pessoas, inclusive alguns foliões do bloco Pé de Mula, começam a entrar.

É notória a cara de satisfação de Sandro e Reginho, sem contar a benevolência de D. Ita e as presenças de Cláudio e Cristina, além de noras e netos do dono da Casa. Sr. Rege também participa da folia e Luciano, agora em casa, é só felicidade, tocando triângulo e cantando forró.

Roberto, com certa preocupação não revelada, de que alguém distraído pudesse vir a sujar as paredes internas da casa, ou outra coisa do tipo, tenta em vão apressar Luciano. Mas Lú a essa altura, parece estar mais atento para a acústica que a arquitetura de sua casa oferecia ao som do trio de forró. Sr. João Lopes também aparece para saborear um pouco mais do Forró de Casa.

Depois da passagem por seu Rege o próximo compromisso era na casa de Dega de Eduardo, mas infelizmente devido aos atrasos, o mesmo não foi encontrado em casa. E foram em vão as batidas de palmas e os cantos de Reis [ ô de casa ô de fora (bis)/ Maria vai ver quem é (bis)/ são os cantador de Reis (bis)/ quem mandou foi São José (bis)...] pra chamar o dono da casa.

Sendo assim a turma partiu para a casa de Cristina de Sr. Rege para iniciar mais um Forró de Casa. O esperado é que fosse tudo como antes, licor, comidas típicas da época e forró. E foi. Só que não foi só isso. O pessoal já ocupava a varanda da casa, quando o sanfoneiro puxou um forró bem tradicional e foi formada uma quadrilha junina, no melhor estilo improviso.

“Olha a cobra”, “a paquera” e outros gritos relembravam o mais autentico e tradicional São João, aquele do Caminho da Roça. Neto havia comunicado que Margarida (do Banco do Brasil) pedira para que o grupo visitasse a sua residência. Ao chegar lá já eram seis horas ou mais, e Margarida já não se encontrava, contudo havia deixado recado para que fosse feito o Forró de Casa assim mesmo. A turma preferiu não entrar.

Ainda em frente a casa de Margarida, alguém sugeriu que o grupo fosse até a casa de Gilson da Coelba. Assim foi feito, mas o horário novamente deve ter sido agravante, e na casa de Gilson não havia quem recebesse o Forro de Casa. Se o horário já se mostrava inconveniente para visitas, já o era também adiantado para Sr. Zé da Jurema, afinal ele merecia ter o seu descanso depois de tanto toque de sanfona.

Quase todos já estavam conformados e esperando pelo Forró de Casa no próximo ano, quando foi indicada a entrada na Casa de Artur do Som. Em seu último ponto de apoio, o movimento foi regado a forró e licor. E mesmo com perda de algumas presenças prosseguiu até quando o som do trio elétrico do bloco Pé de Mula, o qual vinha se aproximando para passar em frente à casa de Artur, começou a atrapalhar o sanfoneiro que decidiu parar.

A satisfação parece ter sido plena. Roberto comentava com Artur, que a música que marcou para ele foi a de Flavo José ( “Na minha casa/ agente rir/ agente chora/ agente se diverte/ toda hora é hora (...) Pode vir de mala e cunha amor/ que hoje eu não to nem ai/”).

Artur, por por sua vez, com sua mente bastante imaginativa, já devia aglutinar idéias mirabolantes para o ano seguinte. Luciano se preocupava em conduzir o sanfoneiro de volta pra casa, mas certamente como já havia informado antes, não desejaria que o forró de casa crescesse nas proporções do Jeguerê (bloco criado por ele Omar e Neto, inicialmente para ter os moldes do Forró de Casa, mas tomou tamanhas proporções que hoje desfila com cordas e mini-trio).

O que Luciano já deve estar pensando é como fazer um Forró de Casa com mais tempo e expressão no ano que vem. E para isso ele poderá contar com todo o apoio da Casa da Cultura de Irará, segundo informaram alguns membros da nova diretoria da C.C. I., que toma posse agora no dia primeiro de julho. E no mais... Viva São João! O tradicional é claro.

* Texto originalmente escrito em julho de 2003, por ocasião do Movimento Forró de Casa. Este mesmo movimento, aumentando o numero de casas visitadas e até com mais um grupo de sanfoneiros, voltou acontecer noutros anos.



6.6.08

Um tributo a Antônio Vieira


Capa autografada do CD "O Cordel Remoçado"

A primeira vez que vi uma apresentação de Antônio Vieira foi numa reunião política. Era o ano de 2003, se não me engano, e o Partido dos Trabalhadores fazia uma Conferência Estadual de Cultura, lá na Faculdade de Comunicação da UFBA.

Fiquei encantado com arte de Vieira. Aquela coisa simples e tão bela. O jeito calmo e sereno de cantar, falar, narrar e apresentar as histórias das suas músicas.

Na frente do auditório da Facom, Antônio Vieira e sua Viola. Na frente de Vieira uma militância na labuta de discutir cultura durante um dia inteiro. Na música daquele santamarense, muitas lições de vida. A exeburante beleza da simplicidade, talvez incompreendida por muitos teóricos da cultura.

Para mim, o sentimento de descoberta era como a surpresa descrita por um outro santamarense em uma de suas canções. A apresentação de Vieira surpreendia, não por ser exótica, mas pelo fato de que, até então para mim, aquela forma poética tinha tido, sido, estado, oculta; quando poderia ter sido óbvia.

Foi-se aquele dia, ficou a lembrança. Lá mesmo na Facom, em tempos de aulas, descobri que o colega, então estudante de Jornalismo, José Inácio Vieira de Melo, era amigo de Vieira. Comentários, elogios e a vontade de ouvir Antônio Vieira novamente.

A oportunidade então chegou. Já estávamos no ano de 2005. Tínhamos conseguido aprovar um projeto no primeiro Edital BNB de Cultura. O Colóquio de Literatura Popular, com foco no cordel, era o evento perfeito para uma apresentação de Antônio Vieira em Irará.

Depois de pegar um número de telefone com Inácio, lá fui eu para o primeiro contato. Sondagem de preços e possibilidades. Vieira me comunicou das suas condições. Antes da viagem para apresentação era preciso disponibilizar 50% do cachê acertado. Como a gente faz para combinar? “Venha aqui em casa”, disse Antônio me informando do seu endereço, junto ao convite.

E eu fui. Lá fui muito bem recebido pelo casal Vieira. Antônio e Coraci. Conversamos sobre o acerto da apresentação ele me deu um exemplar do seu CD - O Cordel Remoçado.

Expliquei ao cantador as dificuldades do evento. Não tínhamos nenhuma verba por conta de atrasos burocráticos. Ficou acertado que iríamos conversando. Da segunda vez que tive em casa dele, a notícia também não era nada animadora. Além dos atrasos, os bancos estavam em greve.

Tudo bem. Vieira disse que viria a Irará assim mesmo. “Eu percebo que você é um rapaz sério”. Diante do aumento do peso da responsabilidade, eu só pude lhe agradecer e torcer para que tudo desse certo no final.

Antônio Vieria esteve em Irará. Ele, sua viola e D. Coraci. Antônio tocou e agradou muito. Era hora então de acertar o singelo e extremamente merecido cachê.

Quem disse que o dinheiro tinha chegado?

Não chegou a verba e também não veio reclamação de Vieira. Ele “esperou com paciência”, assim como Romano, personagem do Debate Maior, peleja de sua autoria.

Aquele dia, cerca de um mês após o nosso primeiro contato, já possuímos uma boa amizade. Eu já tinha tido o prazer de ouvir, confortavelmente sentado no sofá da casa dele, as suas ricas histórias. Ele também já tinha ouvido das minhas.


Douglas de Alemida, D. Coraci, Antônio Vieira,
Franklin Maxado e Roberto em Irará. Out/2005.


Em Irará, Antônio Vieira autografou o meu CD: “Para o meu amigo Roberto. Continue na sua missão de cultivar a sua aldeia. Um abraço de Antônio Vieira. Em 8/10/2005”.

Demorou um mês e pouco e o dinheiro saiu. À essa época, meu contato com Vieira já era mais próximo. Ele me convidava para a casa dele e não pedia cerimônia. “Venha! Almoce aqui com a gente”, dizia. Eu, sempre com receio de parecer inconveniente, tentava recusar um convite ou outro, apesar de gostar muito de estar lá.

Na casa de Antônio Vieira o papo era bom e rolava até umas horas. Eu aproveitava para ir perguntando, comentando e discutindo com ele as letras do seu Cordel Remoçado.

História do Debate Maior. O Trole de Serapião e Gustavo. A lenda dos curadores de cobra e do acarajé. A Conjuração Baiana cantada em cordel, pela narrativa da atuação de Manoel Faustinho. Já Chorrilho, trazia nas entrelinhas, irreverências como a “fresta da moral”. A greta como uma janela indiscreta das cidades interioranas.

Nestas conversas trocávamos coincidências e diferenças entre Santo Amaro e Irará. Tentei ver se Maria Tábua tinha alguma semelhança com Maria Bago Mole, cantada por Tom Zé. E vi que Maria Bago estava mais para o Bordel Artesanal, descrito por Vieira na trilha de número 08 no seu CD.

Confeccionada pelo selo Sons da Bahia, a obra foi produzida pelo iraraense Roberto Sant’anna. O então Diretor Geral da Funceb, Armindo Bião, faz a apresentação: “Agora ouça a voz e o que canta Antônio Vieira, seu destino ficará mais rico, seu coração mais aquecido, sua vida melhor”, diz Bião, também Professor da Escola de Teatro da UFBA e Pesquisador do CNPq.

O conselho soa como uma rendição da academia diante da cultura popular. E a “Peleja da Ciência com a Sabedoria Popular”, é justamente o título de um dos muitos cordéis de Antônio Vieira.
Esse tema merecia muita atenção por parte dele. Vieira defendia uma presença maior da cultura popular nas escolas:

“A escola perde tempo
Preciso por sinal
Em não ter feito a fusão
Com a literatura oral
E enquanto não fizer
O homem e a mulher
Vão vivendo muito mal”

A estrofe do cordel sintetiza bem seu pensamento. Vieira reconhecia a importância e valorizava a ciência, mas acreditava no potencial e criticava a discriminação para com a sabedoria popular. Pregava a união entre o erudito e popular.

“A nossa poesia é uma só
Eu não vejo razão pra separar
Todo conhecimento que está cá
Foi trazido dentro de um só mocó
E ao chegar aqui abriram o nó
Foi como se ela saísse de um ovo
A poesia recebeu sangue novo
Elementos deveras salutares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo”

Em 2006, faltando uns dois meses para a UFBA completar 60 anos, sugeri a Vieira fazer um cordel sobre a história da Universidade. Ele se empolgou com a idéia. No entanto, me disse que não conhecia muito da história da renomada instituição.

Procurei na biblioteca e levei-lhe alguns livros sobre o tema. O tempo foi passando e Vieira, também envolvido com outras atividades, não produziu o cordel. O aniversário passou e resolvemos engavetar a idéia.

Se não pudemos conhecer a trajetória da Universidade nos cordéis de Vieira, passamos a conhecer a história de muitos outros personagens. Um deles foi Bezouro de Santo Amaro. A narrativa de vida do capoerista de corpo fechado levou Antônio Vieira ao cinema.

Uma equipe americana fez um documentário sobre Bezouro e Vieira era um dos entrevistados. Parece que vejo agora, diante de mim, o seu sorriso de satisfação com a obra, quando me apresentava e informava que aquele filme esteve em cartaz nos cinemas lá nos Estados Unidos.

Empolgação e otimismo eram mesmo marcas de Vieira. Não me lembro de vê-lo triste ou desanimado. Sempre incansável e fazendo planos, ignorando o câncer que já possuía quando lhe conheci.
Antônio Vieira estava consciente dos riscos da doença. Ele sabia dos efeitos do tratamento. Entretanto, às vezes, ele falava da proximidade das sessões de quimioterapia como quem diz ir à farmácia comprar um comprimido para resfriado.

05 de julho de 2007, após defender uma monografia de conclusão de curso, um outro Antônio, o Barreto, me deu a triste notícia: Viera não estava mais fisicamente entre nós. Já havia quase um mês, do acontecido em 10 de junho, mas estive tão envolto naquele trabalho que nem soube.

Diante da notícia de Barreto, lembrei-me que no mês anterior, houve um dia, no qual me veio na memória o amigo Vieira, mas preocupado com os prazos acadêmicos, nem peguei o telefone para tentar falar com ele.

Dia desses, o mesmo Antônio Barreto, me comunicou de um Tributo. Amigos, familiares e colegas de pelejas, estarão reunidos no Quadrilátero da Biblioteca Central, no Bairro dos Barris em Salvador.

O dia é, terça-feira, 10 de junho, às 18:00. Lá na Biblioteca Central acontecerá a saudosa e póstuma homenagem. Repentistas, xilogravuristas, poetas, cantadores, entre outros artistas, estarão a postos, cada qual com sua arte, para lembrar do talento daquele “vate de grande qualidade”. Vieira usava esta expressão para se referia aos cordelistas de renome.

Lá, todos vão lembrar do Antônio que partiu três dias antes da data de homenagem ao santo seu chará.

Além da obra, fica a memória e a lembrança. Aprendemos muito com aquele Antônio. Casamenteiro do cordel com a música. Da viola com os versos. Da elegância com a simplicidade.
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* Imagem da Capa do CD - Do meu Acervo Pessoal
** Foto - José Falcón