14.7.08

Triste escolha

A moça chegou ao frigorífico. Diante do balcão, estava pronta para fazer seu pedido, quando percebeu um aparelho de TV ligado ao fundo. Na tela, um destes programas sobre namoro.

Tratava-se de uma espécie de revival do Namoro na TV. O formato parecia mesmo inspirado naquele programa do Silvio Santos, muito exibido na década de oitenta. Do seu programa de namoro, Silvio parece ter consolidado a celebre dúvida: “namoro ou amizade?”. Como se um, só pudesse acontecer independente do outro.

Tolice! Amizade pode até existir sem namoro, mas o contrário... Acho difícil. Daí levando à lona, a desculpa mais esfarrapada e antiga da paróquia. “Não rola, porque a gente é amigo...” Argh !!! Fala sério. E conta outra.

O apresentador então seguia entrevistando as meninas.

- Que tipo de rapaz você quer encontrar? - Questionava o moço da TV.

- Ah! Que ele seja carinhoso, gentil, atencioso, engraçado, amoroso, sensível, inteligente... bla, bla, bla; bla, bla, bla...

Vieram outras pretendentes e a resposta era, a cada vez, repetida. O perfil do rapaz, carinhoso, gentil, atencioso... etc, etc, era repetido exaustivamente.

Parada de frente ao balcão, a cliente do açougue refletia a escolha das moças da TV. Daí ela lembrava que conhecia algumas pessoas, tanto moças quanto rapazes, cheia daquelas características ali procuradas na TV, como se fosse ouro em pó. Não achava difícil encontrar pessoas naquele perfil. Seria necessário ir à TV procurar isso? Seria falsa pretensão?

Refletiu então sobre a sociedade midiatica e a necessidade que muitos têm dos seus 15 segundo de fama. “Será que era isso?”. “Será que todas aquelas moças foram à TV em busca de uma famosidade instantânea?”.

Continuou pensando. “Talvez”. É, realmente, nunca se sabe. A velha e famosa frase já diz: “Sem tesão não há solução”.

E o que dá motivação a esse “T”?

Formas, corpos. Quem sabe qualquer padrão Apolo ou Vênus ditado pela mídia, pela moda ou por qualquer outro imperialismo cultural. Se não, pode ser questão de “gosto”. E aí, se discute. Vale experiências, convivências, ou até, muitos e muitos tratados filosóficos, para, à luz de Montesquieu, descobrir que há um “não sei que” por traz de toda essa motivação.

A moça diante do balcão perdida em seus pensamentos é interrompida.

- Senhorita, senhorita, senhorita! – O açougueiro chama a atenção da cliente – O que a senhora deseja mesmo?

- Músculos! – responde ela sem pestanejar – de preferência peito e coxa – emenda (talvez também estivesse querendo dizer: bíceps).

- Ah! Isso aqui é fácil – responde o açougueiro em tom de comodidade – eu só não tenho o que essas meninas aí da televisão tão querendo. São coisas que nem dá pra vender.

Talvez o açougueiro tivesse razão. E o triste é que, mesmo que encontrado em alguma medida, parece que as qualidades apontadas nunca pesam na balança.

A moça manteve seu pedido: “Músculos”. Deve ser por isso que as “academias” andam super lotadas.

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