3.3.09

"Cócegas nas tradições"

O Departamento de Cultura na Jornada Pedagógica 2009

A cada ano o ciclo é renovado. Novo ano letivo, alunos em novas séries, outros em novas escolas. Os professores devem planejar o ano que se inicia. Re-encontro, conversas, considerações sobre as férias.

A Jornada Pedagógica é também o momento de avaliação de erros e acertos do ano anterior. Discussões de metas e perspectivas para o ano iniciante. Expectativas acerca do trabalho que estar por vir.

Em sendo o primeiro ano de um novo governo municipal, a curiosidade aumenta.

São inevitáveis as comparações. Corações acalorados pela disputa eleitoral. Facilmente se percebem conversas paralelas do tipo: “Fulana votou, beltrana é do contra”, ou então, “isso era melhor, aquilo era pior”. Avaliações sinceras ou apaixonadas, a depender da parcialidade ou da franqueza de quem faz o julgamento.

Talvez, não sei, um dos diferenciais a serem apontados na Jornada Pedagógica 2009 de Irará, esteja na participação do Departamento de Cultura. Isto para quem observou diferenças para além do tipo do lanche ou da água oferecida.

- “E o lugar da cultura na Jornada?” – Questiono a uma das organizadoras.

- “Não havíamos pensado... é que nunca teve... e...” - A resposta vem em tom de desculpas.

Não há porque se desculpar. Sabemos que um dos nossos maiores desafios é lutar contar a visão hegemônica relegada para a cultura no município.

- “Você não vai ornamentar o palco não? Isso é com o Departamento de Cultura” – Assim pergunta e afirma um colaborador, ironizando e mostrando a força do pensamento vigente.

Pois é. Nós limitamos apenas a disponibilizar as malhas que estavam esticadas no palco. Não assumimos o Departamento para coordenar equipe de decoração. Pensamos em um vôo mais alto.

Conseguido um espaço para a “fala da cultura” na Jornada. Sugerimos o tema: “Educação e Políticas Públicas para a Cultura”.


A fala

E lá vamos nós. Começo da tarde de segunda-feira, 09 de fevereiro. Uma platéia repleta de profissionais da educação. Primeiro solicitamos um sonoro “boa tare”, para espantar o sono causado pelo almoço. Iniciamos pedindo aquilo que os professores passarão o ano inteiro pedindo aos alunos: “um pouquinho de silêncio e atenção!”.

A fala é cheia de considerações sobre o tema. Usando alguns trechos do artigo “Casa da Cultura de Irará: pressupostos para uma política municipal de cultura
[1]”, evidenciamos algumas das nossas idéias. A sugestão é um trabalho conjunto entre Educação e Cultura no Município.

“Percebemos que a cultura tem sido afastada da educação”. Tai uma das considerações. As outras vão pelo mesmo caminho.

Os professores, conhecidos como “Os Senhores do Saber” são convocados a participarem de um trabalho na cultura que vise a qualidade de vida e a formação cultural da população iraraense. “Festa também é cultura, mas cultura não é só festa”.

De carona no conceito de “Cidadania Cultural” de Marilena Chauí falamos do direito que tem todo o cidadão, especialmente o cidadão em formação escolar, de acesso às culturas diversas.

Daí vem algumas idéias. “Temos de pensar em maneiras de realizar atividades lúdicas nas escolas, principalmente na zona rural, durante os fins semanas”. Afinal, na maior parte das comunidades, a escola é o único equipamento cultural existente (além dos bares, é claro).

E tem mais idéias. A afirmativa é confirmada através de posicionamento consensual. “Muitos de nossos alunos nunca foram a um teatro, a um cinema, a uma galeria”. Há quem diga ser, a quase totalidade.

Pois bem. O convite é feito. “Os professores precisam ser nossos parceiros nesta luta”. E se assim o são, é preciso dialogar mais de perto com eles.

O Diálogo

Termina o espaço reservado para falas. Depois da representação, do Departamento, ouvimos também os Professores Denílson Lima Santos (Poesia Negra em Sala de Aula: Uma Imagem de Liberdade) e Jucélia Bispo dos Santos (Saber local, Memória e Educação Quilombola em Irará –Bahia).

Vamos falar no cara a cara. Procuramos pela sala onde os professores vão planejar o ensino de artes. Encontramos, pedimos licença e entramos.

Agora falamos e ouvimos. Abordamos o ensino de arte e a arte-educação, a necessidade de variar entre as linguagens, a aproximação para o aluno entre o mundo artístico na sala de aula e na sua vivência.

Os professores, por sua vez, colocam na mesa algumas pontuações. A discriminação sofrida pela disciplina, a falta de material didático e também a ausência de mecanismos de qualificação para os educadores artísticos.

“Vamos pensar e trabalhar juntos”. Não há como prometer milagres, a luta é árdua e tudo que pudemos garantir foi empenho. Então, assumimos o compromisso de buscar pessoas para fazer um intercâmbio de aprendizado na área.

Dalí só voltaríamos à Jornada na quinta-feira. Logo chega o dia e, ainda no caminho, um comentário:

“Você não sabe o gás que a sua participação deu aos professores de arte”.

Diante desta fala de Marilda Ramos, Supervisora do Ensino Fudamental II, da Secretaria de Educação, ficamos agradecidos e conscientes do aumento da nossa responsabilidade.

A Participação

A temática da quinta-feira era a EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Antes das falas começarem, um presente. A apresentação do grupo de samba-reggae Purificaê (já chamado de O “Olodum de Irará”), com direito a participação especial de Faú (Zimbabwe).

Estávamos ali só para assistir, mas fomos convidados a participar das falas. E lá fomos nós outra vez. Novamente a cultura como foco das atenções e, agora, a sua relação com a alfabetização.

Impossível não lembrar Paulo Freire. E lá falamos dele. Comentamos também acerca do MCP (Movimento de Cultura Popular) e suas ações de alfabetização, realizadas no governo conduzido por Miguel Arraes em Pernambuco, deposto pelo golpe militar de 1964.

Lembramos de uma fala do Professor André Lemos, nos tempos das aulas de Comunicação e Tecnologia na Faculdade, e soltamos a paráfrase:

“Muito se fala em inclusão digital; mas a informática é um advento recente na história da humanidade. A escrita tem milhares de anos e ainda temos pessoas que não tem acesso a este mecanismo”.

Diante do índice alarmante de analfabetismo em Irará, em torno de 20%, conclamamos a amiga, professora, agora Secretária de Educação, Marize Batista:

“imagine que marco não séria se, ainda que não conseguíssemos zerar, chegássemos ao final desse mandato com índices ínfimos de analfabetismo em Irará?”.

A fala da Professora Cristina, coordenadora da EJA, nos mostrou várias iniciativas que já vem sendo adotadas no município. Casos interessantes de descoberta das letras.

As histórias eram diversas. Tinha o caso do Senhor que quis aprender a ler para não depender de ninguém lhe indicar o ônibus para chegar na casa do filho em Salvador.

E também a Senhora que, emocionada mostrou uma cicatriz nas costas, disse ter sido a marca de uma surra recebida para não “aprender a ler e escrever carta pro namorado”.

Casos de um trabalho que talvez a publicidade não tenha tido interesse em divulgar. Afinal, alfabetização não dá voto... Talvez até tire...

Em meio a tantas histórias, me vem à mente a idéia de uma forte campanha pela alfabetização. O Sonho de transformar Irará em referência na erradicação do analfabetismo.

Comento a idéia com Marize. Passo os rabiscos que fiz pra ela. A Secretária marca uma hora para que possamos conversar sobre o assunto.

As idéias

Após o termino da Jornada, já na Sexta-feira, vou ao Gabinete da Secretária de Educação. A conversa flui. Idéias são muitas. É preciso buscar apóio e exemplo em experiências bem sucedidas. Listamos alguns possíveis parceiros:

Instituto Paulo Freire; MOC (Movimento de Organização Comunitária); TOPA (todos pela alfabetização – Governo Estadual); MEC (Ministério da Educação); e, porque não?, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), fazendo um estudo nas suas iniciativas educacionais.

Marize trás a constatação de que o primeiro passo é um mapeamento sério da realidade acerca do analfabetismo em Irará. De tal sorte, temos mesmo de fazer parcerias, levar a idéia a outros setores do governo e buscar recursos.

Percebo que a campanha só seria possível depois que todo um projeto de alfabetização estivesse pronto. Nada é fácil.

Não tenho certeza se conseguiremos. Ou se faremos o projeto e a campanha. A idéia é continuar lutando. É como falei para Marize, num determinado momento: “se não derrubarem a gente, ainda vamos fazer muitas cócegas nas tradições”.

Obs: O termo "fazendo cocegas nas tradições" é dito na canção Tatuarambá de Tom Zé.

[1] Artigo apresentado no I EBECULT (Encontro Baiano de Estudos da Cultura) acontecido na UFBA em Salvador, em Dezembro de 2008. – Em breve disponível nesse blog.

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