30.11.11

Um santo recital para todas as idades



Texto escrito em Março/2005 

Vinhos & Versos é sempre aquela emoção. O de número VI, realizado no último dia 24 de março, não foi diferente. Iniciei o recital com um pequeno texto de autoria própria, no qual tento descrever o ser iraraense. As mesmas palavras apresentaram a exposição da noite: “Dez Iraraenses”*. Uma coletiva de dez artistas que, assim como diz o texto, devem sentir “orgulho de dizer quem é e a que veio”.

Aquela noite prometia e os costumeiros freqüentadores do Vinhos & Versos fizeram as honras da casa. Juci Freitas, com seu jeito síntese de raça e sensibilidade, conduziu aos nossos ouvidos idéias de grandes autores e poemas de sua autoria. Num deles, descreveu a emoção de participar dos recitais. Sentimento compartilhado por Kitute de Licinho, quando declamei um cordel escrito por ele. 

Na seqüência, Kitute leu versos de Patativa do Assaré, demonstrando beber em boa fonte. Tone Coelho saciou sua sede da mesma forma, lendo versos popularizados pelo grupo Cordel do Fogo Encantado. Já Fábio Calixto, só pra não perder o costume, recitou poesias de Nadia Cerqueira e “José” de Drummond. 

Novidade mesmo, foi a participação de pessoas não tão freqüentes e dos marinheiros de primeira viagem. Mauricio Pereira, Bartira Barreto e Eva Santos, deram as suas contribuições. Valdir Sacramento chegou a tempo de mostrar sua rapidez versificada receitando, ou melhor, recitando folhas e chás, para todos os males. Afonso Coelho, depois de ter a sua timidez vencida pelo vinho, virou repentista e lançou desafios. 

Porém, o novo estaria mesmo representado pelas crianças. Jessiele Caroline, de 11 anos, recitou poesias de autoria própria. E João Victor, de 07 anos, versejou em parceria com a sua mãe, Saionara Pinho.

Ali, na participação daquelas crianças estaria o futuro do Vinhos & Versos, como pontuou Kakal Pinto, certo? Errado. Ali já era o presente, que sinalizava para o futuro, observando e respeitando o passado.  Tempo de grandes poetas, de quando a poesia era usada para protestar, para noticiar, para amar... “só sei poesias antigas meu filho” foi o que disse D. Terezinha. Respondo-lhe que são estas mesmo que queremos conhecer. 

Ai então, a primeira mãe, que já havia recitado versos de sua autoria, nos presenteia com o poeta da abolição, Castro Alves. Valendo-se da ternura digna das avós, ela mostrou que pode estar ali, na matriarca, a veia artística da família. 

Por entre vozes declamadoras do idoso, do adulto e da criança, entramos pela madrugada e chegamos até a Sexta-feira Santa refazendo o milagre. 

Se Cristo transformou a água em vinho, com a licença Dele, transformávamos vinhos em versos. Conversão feita num recital empolgante e, como bem mencionou Juci Freitas, protagonizado por pessoas de diversas gerações.

* - Os Dez Iraraenses foram: Rita Lima, Claudemiro Cerqueira, Juveraldo, Cristina Guimarães, Rimaundo, Jussara Batista, Sérgio Luz, Sé Freitas, Naía Cerqueira e Sidney Steves. 


Obs _ Vinhos e Versos VI – Acontecido em 24.03.2005 - 

22.11.11

Em resposta a um comentário no texto anterior

COMENTÁRIO 


olá. 
falar assim é fácil, mas sou músico também e acho injusto essa colocação. cada um tem buscar o seu melhor. pergunto a você se você trabalharia de forma voluntaria sem ganhar nada? porque querer que os músicos não var ganhar a vida em bandas que pagam pelo bom trabalho executado por eles é meio injusto. quem é que iria pagar o cachê deles se montassem um grupo de jazz em irará? como iam se sustentar? quem pagaria um cachê a Gigi, compatível ao que Ivete paga? você? acredito que não se candidataria... acredito que musica pra eles é profissão e não hobby, diversão. quem trabalha de graça é relógio!! 


MINHA REPOSTA: 


Olá! 

“Fácil” é a covardia de falar por trás do anonimato. Porque é “injusto” que eu me exponha, mostre a minha cara para dizer minhas opiniões, enquanto você fica escondido. 

Por tanto, diante da sua falta de “coragem” para assinar um simples comentário em um blog, dá para perceber que “falar” através de um texto opinativo como fiz não é nada “fácil”.    

Ainda mais difícil, e nem um pouquinho indicado, é responder a um anônimo. 

No entanto, diante das questões levantadas, vou viver esta situação esdrúxula de “conversar” com um fantasma. Isto apenas, pelo fato de acreditar na necessidade de fazer algumas ponderações. Assim tentarei minimizar dúvidas ainda possíveis de pairar sobre o texto do post anterior. 

Na minha avaliação o que houve foi incompreensão da leitura de sua parte. 

Em momento algum pontuei no texto que os músicos não deveriam ganhar a vida com a música. Muito menos disse em qualquer citação que deveriam abandonar as bandas de axé ou qualquer outra de música fácil, onde ganham seu sustento. Nem tão pouco disse que eles só deveriam tocar jazz ou qualquer outro gênero de menor apelo mercadológico.   

Quanto às questões, seguem as respostas: 

“pergunto a você se você trabalharia de forma voluntaria sem ganhar nada?”

“Trabalharia” não. O verbo está no tempo errado. Já trabalhei e trabalho. Quer exemplo? Para não me alongar muito, vou citar dois de muitos outros movimentos aos quais já participei. 

Na Casa da Cultura de Irará (CCI) pude, junto com outros companheiros, desenvolver um trabalho na área de Produção Cultural no município. Foi no período entre 2003 e 2009. 

Ainda hoje vemos alguns frutos daquele trabalho reverberar. E foi um trabalho totalmente voluntário, ou melhor, muitas vezes botávamos grana do nosso bolso para pagar algumas contas. 

Há mais de um ano estou mantendo em atividade o Portal Iraraense, um site de cultura e notícias de Irará e região. De acordo depoimentos de vários usuários, o site vem prestando um serviço relevante para a população iraraense. E, se quer saber, como não tenho patrocinador, não ganho um centavo sequer para manter este veículo em funcionamento. Muito pelo contrário, gasto. 

Tenho a proposta de começar a trabalhar o site profissionalmente para poder oferecer um serviço ainda melhor à comunidade iraraense. Mas isto é outra história.  

E como fiz e faço estes trabalhos voluntários? Nas horas vagas é claro. Acredito que em algum momento da vida, todo mundo tem ou deveria ter tido um tempinho para o social. E também não acredito que as pessoas vivam 100% do seu tempo só com atividade remuneradas.   

Como exemplo, na época em que fui presidente da Casa da Cultura de Irará eu trabalhava e estudava em Salvador e isto não foi empecilho para que pudéssemos executar aquele trabalho. Pode perguntar para quem acompanhou.

E observe: Todos os dois trabalhos citados foram desenvolvidos nas áreas as quais tenho formação acadêmica/profissional. Produção Cultural e Jornalismo. 

Eu poderia alegar que, como profissional da área, só faria os trabalhos em questão se recebesse “cachê” para os mesmos. No entanto, apesar de não receber remuneração alguma desenvolvi as atividades citadas, entre outras.  

"Quem é que iria pagar o cachê deles se montassem um grupo de jazz em irará? como iam se sustentar?"

Talvez, se o grupo depois de montado conseguisse agradar, poderia aparecer alguém. Talvez o próprio poder público, caso fosse implementada uma política cultural voltada para a formação de platéia em música, poderia custear as apresentações. E as apresentações possivelmente poderiam criar público e formar mercado. 

Ou, para se aproximar mais da realidade, talvez ninguém pagaria mesmo o cachê deles. 

Entretanto, isto aponta para outra questão a qual eu deixei implícita no texto. Eles só tocariam jazz ou qual outra tipo de música de qualidade se fosse pelo cachê? Será que eles não teriam nenhum tempo livre para tal? Será que na relação deles com a música não tem qualquer “pedacinho” de amor à boa música? Seriam mercenários do tipo “só toco quando tem cachê”? Acredito que não. 

Para ilustrar as questões acima vou falar de uma situação. Há algum tempo atrás era possível vê em praças de Irará jovens cantando, acompanhado de algum músico, fosse ele profissional ou não, com um violão em mãos. Hoje em dia não percebo mais isso. Cadê este gosto pela música? Será que só vai ter alguém tocando um instrumento na praça pública se tiver alguém para pagar cachê? 

E no mais. Este hipotético grupo de jazz, sugerido pelo texto, poderia ser um projeto paralelo. Projeto este cujas apresentações funcionariam como diversão e aprendizado dos próprios músicos. Afinal, acredito que eles se divertiriam tocando boa música, quando não estivesse trabalhando nas bandas de música massiva. 

Muitos músicos profissionais, como por exemplo alguns membros de bandas como Titãs e Barão Vermelho, desenvolvem projetos paralelos. Você, como músico já deve ter ouvido falar disso. 

Naqueles projetos, nos quais devem atuar nas “horas vagas”, eles se sentem mais livres para experimentalismos musicais, diante da ausência de maiores preocupações com o retorno mercadológico. Em minha opinião, eles montam estes grupos por paixão pela música que gostam e não se sentem confortáveis para tocar em suas bandas de origem, tão cheias de compromissos profissionais. 

Portanto, a provocação feita pelo texto está longe de ser uma sugestão ou indicação para os músicos da 25 abandonarem seus trabalhos e ficarem sem sustento, mas apenas sinaliza para que eles também tenham os seus “projetos paralelos”. 

"quem pagaria um cachê a Gigi, compatível ao que Ivete paga? você? acredito que não se candidataria..."

Não sei quanto Ivete paga a Gigi. E também não me interessa saber porque é um acordo profissional deles. No entanto, como Ivete Sangalo é uma artista consagrada, com carreira consolidada no circuito mainstream nacional, imagino ser um montante satisfatório para o músico. 

Então, realmente, como não tenho condições de pagar o que Ivete deve pagar, não posso me candidatar para tal. Mas, fique certo, se eu tivesse meios faria uma proposta para o filho do nosso saudoso Alfredo da Luz para integrá-lo a outro projeto musical.   

“acredito que musica pra eles é profissão e não hobby, diversão. quem trabalha de graça é relógio!!”

Para mim, os melhores profissionais são sempre aqueles os que conseguem trabalhar fazendo o que gostam. Aqueles que podem trabalhar por prazer. Aqueles têm como fazer do seu oficio a sua diversão. Infelizmente, aos que não conseguem unir o útil ao agradável sobram as horas vagas. 

Há tempos circula pela internet um texto atribuído ao publicitário Nizan Guanaes. Entre outras passagens, há uma na qual Guanaes conta uma situação vivida por uma freira. 

O publicitário narra que a freira estava cuidando de leprosos, quando um homem rico disse para ela: 

- Nossa! Madre!! Eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo. 

E a Madre então respondeu: 

- Eu também não. 

É mais ou menos por aí o espírito da coisa. Quando se gosta daquilo que se faz, profissão e diversão andam juntas. As horas passam e você nem sente que está trabalhando. 

Daí, a provocação do texto em momento algum foi para que os músicos trabalhem de graça como relógio (se é que você acha que relógio trabalhe de graça). Muito pelo contrário. 

A provocação foi pra incitar o debate. Se os músicos gostam e conhecem a “boa música” que façam uso dela. E que de vez em quando possam brindar nossos ouvidos, tão carentes de qualidade musical no cenário de Irará. E quem sabe montar algum projeto no sentido de ir na contra-mão da tríade mencionada por Roger do Ultrage A Rigor em “Nada a Declarar”: “Baixaria, dor-de-corno e bunda pra todo lado”. 

No mais, peço desculpas se eu estiver enganado e os nossos músicos se sintam realizados em tocar em bandas com o repertório repleto de canções para as quais, repito, “imagino, não é necessário tanto estudo ou dedicação”. Estudo e dedicação estes, que para mim é necessário ter para integrar o corpo musical da gloriosa Filarmônica de Irará. 

PS: Por favor, não poste mais comentários anônimos. Da próxima vez, não responderei. 

7.11.11

Na torcida pelo revolucionário “Cara de Gato”

Há algum tempo tenho uma inquietação com a Filarmônica 25 de Dezembro. De modo algum, querer questionar o talento dos músicos, a função sociocultural da banda para o município, a sua força e tradição ou qualquer outra das suas características, já muito conhecidas de todos nós iraraenses. A problematização é outra. 

Não raro, ouvimos elogios de pessoas sobre o papel formador da Filarmônica de Irará. São muitas falas acerca do engrandecimento e do caráter profissionalizante da banda para os nossos jovens. Tudo isto é digno, verdadeiro e respeitável. 

A coisa começa a perder um pouco do “glamour”, quando são ditos os exemplos para justificar este traço da banda: “Fulano hoje toca com Ivete!”; “Beltrano tá na banda de Ninha”; “Cicrano é músico de Claudinha Leite”; e “Aquele outro tá no naipe de sopro do Calcinha Preta”.  

Formar mão de obra para estrelas da axé-music ou bandas do circuito massivo é o melhor que a banda pode oferecer?

Sempre acreditei que não. E, ao mesmo tempo, me questionava porque músicos estudam música arduamente, para se dedicarem quase que exclusivamente a tocarem canções para as quais, imagino, não é necessário tanto estudo ou dedicação. 

Por que da Filarmônica local não sai um grupo de jazz? Por que de lá não se origina um quarteto, quinteto, sexteto ou qualquer outro formato de grupo musical que flerte com ritmos como a MPB ou a World Music? Por que não temos um grupo residente de chorinho na 25 de Dezembro? 

Levantei estas questões outro dia na mesa do bar de Didi. Estava diante de ninguém menos do que o novo maestro da 25 de Dezembro. Eu passava por ali, quando cumprimentei Marcelo de Aniceto. Após mostrar para ele rapidamente uma versão avassaladora de 2001 de Tom Zé, gravada em 1969 por Gilberto Gil, ele convidou-me a sentar. Na mesa, além dele estavam o maestro, Didi e Grujó, este, assim como Marcelo, também músico da 25. 

A conversa na mesa foi música, é claro. Estava recente a morte da cantora britânica Amy Winehouse. Didi falou das influências que ela teve da música negra americana. Pus o som de Amy pra tocar e os músicos logo identificaram para mim o som do sax barítono. Era aquele cuja sonoridade eu tinha observado como “envolvente”. 

Foi ao longo desta conversa e outras sobre grupos e estilos musicais, que perdi qualquer receio e lancei as perguntas ao maestro. Quer dizer; maestro não. “Cara de Gato!”. Era assim, como também é conhecido, que ele queria ser chamado. Nada de “Maestro” ou de “França”, seu nome de batismo.

Para minha surpresa, “Cara de Gato” não só aceitou as provocações como também discorreu sobre o assunto. Ele me falou, entusiasmado, de uma filarmônica pra frente, flertando com clássicos da MPB e outras grandes músicas do mundo. Contou-me algumas ações que já vinha desenvolvendo na banda. Depois, mostrou-me, através de seu notebook, gravações da 25 tocando “Let it Be” dos Beatles e outras boas canções.

Entre uma conversa e outra, uma música e outra, eu fui ficando esteticamente tocado com tudo o que ouvia. Empolgado, saquei o celular e mandei um sms para dois amigos: “Agora em entrevista com o homem que vai revolucionar a 25!”. Como tem sido a regra na chamada era digital, era preciso “compartilhar” aquele momento. 

O que chamei de revolução não seria só com os músicos e o repertório. Anteriormente, Marcelo havia me revelado que antes de começar os tradicionais ensaios da 25 de Dezembro, “Cara de Gato” fica em frente a sede da entidade e pega as pessoas pelo braço, convidando-as a assistir o ato musical. 

Dia desses, eu fui ao ensaio da Filarmônica. Lá pude conferir presencialmente o maestro em ação. Sabe aquela visão de um homem a frente de uma banda, gesticulando ou com uma batuta de um lado para o outro? Esqueça! “Cara de Gato” é performático. 

Sons com a boca, bailados e batidas com a mão no próprio corpo, integram o repertório do maestro. “Na apresentação ele interage bastante com o público” me revelou Diógenes Barbosa, presidente da 25. E dava para imaginar. 

O presidente depois me questionou: “Você já viu uma filarmônica tocar reggae?”. Nem deu tempo para responder. Naquele momento a 25 de Dezembro já iniciava os acordes de “Is this Love” de Bob Marley.

Gostei muito dos metais tocando o som do ícone jamaicano da música. Imaginei um contrabaixo e uma guitarra em harmonia com aquele coro... Pedi calma para mim mesmo. “Afinal a banda hoje já tem mais percussão, você também quer cordas?”. Assim acrescenta-se piano e estaremos a caminho de uma orquestra...

Ao final do ensaio o maestro me perguntou. “Tá bom?”. Respondi que sim e ele me disse que: “Ainda vai ficar”. 

Saí da sede da filarmônica com boas perspectivas. Espero que as ações de “Cara de Gato” possam dá um ânimo aos nossos músicos e oxigenar o cenário da música no município. Que essa silenciosa revolução barulhenta possa vingar. Que seja valorizada a diversidade musical e nossas bandas e rádio comunitária possam ter um repertório para além de dois ou três gêneros musicais. 

Estamos na torcida!